Em 1951, em uma pequena cidade chamada Dom Pedrito, localizada no Rio Grande do Sul, dois homens chegaram com a missão de realizar o mapeamento geológico do Pampa. O que eles encontraram nas colinas rochosas da região se revelou um tesouro perdido por décadas: um sítio fossilífero repleto de fragmentos de um ecossistema pantanoso que existiu há cerca de 260 milhões de anos. Este ecossistema pré-histórico, que prosperou durante o período Permiano, fornece uma janela fascinante para a história da Terra e sua contribuição para o surgimento dos dinossauros.
O Permiano: um mundo antigo e distante
O período Permiano, que ocorreu há mais de 250 milhões de anos, foi uma época em que a maior parte da massa terrestre ainda estava agrupada no supercontinente Pangeia. Naquela época, o que hoje é o Brasil estava coberto por uma vegetação exuberante, com plantas vasculares, como cavalinhas e samambaias, dominando a paisagem. Além disso, um corpo d’água próximo abrigava uma variedade de criaturas aquáticas, tornando a região uma cápsula do tempo única para os paleontólogos estudarem
O achado paleontológico perdido
No entanto, esse tesouro paleontológico quase foi perdido para sempre. Os pesquisadores que inicialmente descobriram o sítio fossilífero de Dom Pedrito em 1951 não deixaram uma descrição exata de sua localização. Eles apenas sabiam que era uma área de cerca de 1,2 hectares em algum lugar dentro de uma propriedade de 180 hectares. Com o passar do tempo, as estradas de terra usadas décadas atrás foram substituídas por estradas pavimentadas, tornando ainda mais difícil encontrar o sítio.
A redescoberta de Dom Pedrito
Mas a sorte sorriu para a ciência novamente. No início deste ano, um grupo de paleontólogos brasileiros anunciou a redescoberta do sítio de Dom Pedrito. Após anos de busca, eles finalmente localizaram o local graças à persistência e curiosidade de Celestino Goulart, que desde sua infância estava fascinado pelos fósseis que encontrou no quintal de sua família.
Goulart, ao se deparar com um pedaço de rocha com um fóssil de peixe, começou uma jornada que o levaria a descobrir um verdadeiro tesouro paleontológico em sua propriedade. Ele e sua mãe exploraram as colinas da área em busca de mais fósseis, e sua dedicação eventualmente levou à preservação dessas preciosidades. Em 2019, Goulart procurou a prefeitura local, que enviou a paleobotânica Margot Guerra Sommer e o geólogo Rualdo Menegat da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para investigar o local.
O encontro de especialistas
Quando Sommer e Menegat estudaram a topografia e os tipos de fósseis na propriedade de Goulart, começaram a suspeitar que tinham encontrado o local perdido há muito tempo. Para confirmar suas suspeitas, eles entraram em contato com Felipe Pinheiro, um paleontólogo da Universidade Federal do Pampa que liderou a equipe que escavou os fósseis na área.
Pinheiro, especializado em vertebrados, sabia que precisava de ajuda com os espécimes botânicos bem preservados que foram encontrados. Ele então chamou Josilene Manfroi, paleobotânica da Universidade do Vale do Taquari, para se juntar à equipe. Ao longo de visitas regulares, os pesquisadores documentaram os fósseis e começaram a ter certeza de que tinham redescoberto o sítio fossilífero perdido.
O Elo Crucial: um artigo de 1951
No entanto, foi apenas em 2021 que uma aluna de mestrado de Pinheiro, Joseane Salau Ferraz, fez uma descoberta crucial. Ela estava vasculhando um repositório online de revistas científicas antigas em busca de qualquer referência a um sítio fossilífero na propriedade da família Goulart. Sua pesquisa a levou a um artigo de seis páginas de 1951, escrito por Emmanoel A. Martins e Mariano Sena Sobrinho.
O artigo descrevia um local nos arredores de Dom Pedrito conhecido como Cerro Chato, que significa “colina plana”. Esse local continha um “afloramento fossilífero recentemente descoberto… apresentando condições muito favoráveis para observação estratigráfica e contendo fósseis bem preservados”. Além disso, o artigo mencionava uma grande área repleta de vegetação fossilizada.
Quando Ferraz percebeu o que havia encontrado, ela imediatamente contatou Pinheiro. Essa descoberta confirmou as suspeitas da equipe de pesquisa e trouxe uma sensação de validação para todos os esforços dedicados à redescoberta do sítio fossilífero de Dom Pedrito.
O tesouro paleontológico de Dom Pedrito
A redescoberta do sítio fossilífero de Dom Pedrito é uma conquista notável para a ciência. Até agora, os pesquisadores identificaram pelo menos seis ou sete espécies de plantas, uma espécie de molusco e duas espécies de peixes. Alguns desses fósseis já são conhecidos por especialistas, enquanto outros podem representar espécies totalmente novas.
O paleontólogo Felipe Pinheiro, da Universidade Federal do Pampa, expressou seu entusiasmo pela quantidade de fósseis coletados e pela importância desse sítio para a compreensão da história da Terra. Ele afirma: “Coletamos centenas de fósseis. É simplesmente incrível. É diferente de tudo o que eu já vi. Há tanto material lá que seria impossível coletar tudo. Precisaremos de décadas para estudar os fósseis que já retiramos.”
A redescoberta do sítio fossilífero de Dom Pedrito não apenas enriquece nosso conhecimento sobre o passado da Terra, mas também destaca a importância da curiosidade e da dedicação de indivíduos como Celestino Goulart, que desempenhou um papel fundamental na preservação desse tesouro paleontológico. Essa história nos lembra que, mesmo quando um tesouro está perdido, ele ainda pode ser encontrado com paixão, pesquisa e determinação.