O aroma de café fresco exalando no ar, o murmúrio de conversas entre amigos e o tilintar suave de xícaras sobre pires: essa cena, tão comum nos dias de hoje, tem raízes profundas que atravessam séculos de história e geografia. As cafeterias, mais do que estabelecimentos para beber café, foram palcos de revoluções, encontros intelectuais, transações comerciais e movimentos culturais.
De Constantinopla ao bairro boêmio de Paris, passando por Viena, Londres, São Paulo e Tóquio, cada xícara servida guarda uma narrativa maior do que parece. Mas como surgiram esses espaços sociais tão icônicos? O que transformou o ato de tomar café em ritual coletivo e símbolo de estilo de vida? Para entender a cultura das cafeterias, é preciso mergulhar numa jornada que envolve política, religião, arte, economia e, claro, a bebida que dá nome ao lugar. Prepare-se para muito mais que uma história sobre café — esta é a história das cafeterias.
As origens: do grão à casa de café
A trajetória das cafeterias começa no mundo islâmico, ainda na Idade Média. O café, originário das regiões montanhosas da Etiópia, foi difundido no mundo árabe entre os séculos XV e XVI, especialmente após sua chegada ao Iêmen. Em Meca e Medina, beber café logo se tornou hábito popular entre muçulmanos que buscavam permanecer acordados durante as longas noites de oração.
Foi em Constantinopla, atual Istambul, que surgiram as primeiras qahveh khaneh — as casas de café. Esses locais, abertos ao público, tornaram-se centros de encontro para debates políticos, poesia, jogos de tabuleiro e música. Homens de todas as classes sociais reuniam-se nesses espaços que, em pouco tempo, passaram a ser chamados de “escolas dos sábios”. A popularidade foi tanta que o governo otomano chegou a proibir as cafeterias por considerá-las focos de agitação social — uma medida que não durou muito.
A chegada à Europa e o nascimento da “cultura do café”
O café desembarcou na Europa no século XVII, inicialmente como curiosidade exótica. Veneza foi a porta de entrada, mas foi em Londres, Paris e Viena que as cafeterias realmente floresceram. Em 1652, surgiu a primeira casa de café inglesa, fundada por Pasqua Rosée. Rapidamente, Londres viu nascer mais de 3 mil cafeterias, frequentadas por comerciantes, intelectuais, artistas e políticos. Eram chamadas de “Penny Universities”, pois com apenas um centavo era possível consumir uma xícara e participar de acalorados debates.
Na França, as cafeterias se tornaram o coração do Iluminismo. Estabelecimentos como o Café Procope, fundado em 1686, eram frequentados por Voltaire, Rousseau e Diderot. Já em Viena, a cultura cafeeira ganhou traços distintos, com garçons de luvas brancas, salões elegantes e leitura de jornais — cenário que perdura até hoje.
Esses espaços não eram apenas pontos de encontro; eles moldavam o pensamento de época. Em tempos de censura e repressão, as cafeterias funcionavam como oásis de liberdade de expressão, e muitas revoluções nasceram entre goles de café.

As cafeterias e a urbanização global
Com a Revolução Industrial e a expansão das cidades, as cafeterias se espalharam por centros urbanos em todos os continentes. Em Nova York, por exemplo, cafés e diners serviam trabalhadores e imigrantes, misturando o velho hábito europeu com o ritmo frenético da vida moderna. No Brasil, país que se tornaria um dos maiores produtores de café do mundo, as cafeterias ganharam espaço nas grandes capitais, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro.
Durante o século XX, as cafeterias assumiram diversos formatos: desde os cafés elegantes com pianistas ao vivo até os pequenos estabelecimentos de esquina onde operários se encontravam antes do expediente. No Japão, o conceito de kissaten (cafeterias tradicionais) evoluiu para cafés temáticos, incluindo ambientes inspirados em mangás, gatos, samurais e até literatura ocidental.
Nas Américas, Europa e Ásia, as cafeterias se adaptaram aos contextos locais, tornando-se elementos culturais únicos. Mas em todos os casos, mantinham o mesmo espírito: o de espaço público, democrático e criativo.
O boom das redes e a padronização do café
Nos anos 1990, com o avanço da globalização e do capitalismo de consumo, o cenário das cafeterias ganhou uma nova configuração: o domínio das redes internacionais. O símbolo mais evidente desse fenômeno foi a ascensão da Starbucks. Fundada em 1971 em Seattle, a marca transformou o café em um produto de identidade, status e experiência personalizada.
Com lojas em mais de 80 países, a Starbucks influenciou profundamente o design e o funcionamento das cafeterias contemporâneas. Bebidas personalizadas, Wi-Fi gratuito, música ambiente e atendimento padronizado tornaram-se itens esperados. Outras redes, como Dunkin’, Costa Coffee e Caffè Nero, seguiram o mesmo caminho.
Por outro lado, essa padronização provocou resistência em vários locais, abrindo espaço para o retorno das cafeterias independentes e autorais — movimento conhecido como “terceira onda do café”.

A terceira onda e o resgate da autenticidade
A partir dos anos 2000, surgiu um novo modelo de cafeteria, focado na valorização do café como produto artesanal. A chamada terceira onda do café defende o cuidado com cada etapa da cadeia produtiva — da origem do grão ao modo de preparo. Cafeterias especializadas passaram a investir em grãos de origem única, métodos alternativos de extração (como prensa francesa, Hario V60, Chemex, Aeropress) e profissionais treinados como baristas.
Esses espaços resgataram o contato direto com o consumidor, muitas vezes explicando a história por trás de cada café servido. O ambiente também mudou: espaços aconchegantes, iluminação natural, cardápios com toque local e incentivo à leitura, ao coworking e ao convívio desacelerado.
No Brasil, esse movimento impulsionou o mercado de cafés especiais, beneficiando pequenos produtores e revelando talentos da torra à xícara. Cidades como Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis tornaram-se polos da cultura do café de qualidade.
Cafeterias digitais, políticas e afetivas
Com a pandemia de COVID-19, as cafeterias enfrentaram desafios inéditos. Muitas fecharam as portas ou migraram para formatos híbridos, como delivery e cafés digitais. Por outro lado, o isolamento social reforçou o valor simbólico desses espaços como locais de refúgio, acolhimento e conexão humana.
Hoje, as cafeterias retomam seu papel histórico como centros de expressão política e afetiva. Algumas promovem eventos culturais, exposições, rodas de conversa e ações sociais. Outras apostam em temáticas inclusivas, como cafés LGBTQIA+, veganos, ecológicos ou voltados à literatura negra e indígena.
O café continua sendo o ponto de partida, mas o que importa é o que acontece em torno dele: trocas, ideias, olhares, pausas e afetos que desenham o mapa invisível de uma sociedade em transformação.
As cafeterias são muito mais do que lugares onde se serve café. São instituições culturais que resistem e se reinventam há mais de cinco séculos. Da Constantinopla otomana às cafeterias hipster dos centros urbanos contemporâneos, esses espaços acompanharam as grandes mudanças sociais, acolheram movimentos artísticos, abrigaram revoluções e celebraram o cotidiano.
Cada cafeteria carrega em si um pouco da história da cidade onde está, das pessoas que a frequentam e das ideias que ali germinam. E enquanto houver alguém disposto a sentar, conversar, escrever ou simplesmente saborear uma boa xícara, haverá espaço para uma cafeteria. Porque, no fundo, é ali que o mundo parece desacelerar — para que possamos saboreá-lo em goles lentos e profundos.
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