A história dos queijos

Se há um ingrediente capaz de atravessar milênios, unir continentes e contar histórias de sobrevivência, prazer e engenhosidade humana, esse ingrediente é o queijo. Muito antes de ser um item de degustação refinada ou presença obrigatória nas tábuas gourmet, o queijo foi solução prática, símbolo religioso, item de comércio valioso e um verdadeiro elo entre natureza e cultura. É impressionante pensar que um alimento tão simples em sua essência — leite, tempo e ação de microrganismos — possa carregar tamanha riqueza histórica.

Desde as primeiras experiências acidentais de coagulação do leite por pastores nômades até a criação dos sofisticados Roquefort, Parmigiano Reggiano e Queijo da Serra da Estrela, a humanidade aprendeu não apenas a conservar o leite, mas a transformar essa prática em arte. O queijo não é apenas um produto: é um reflexo da paisagem, da cultura e do tempo. E, talvez por isso, cada pedaço carregue um pouco da história do lugar onde nasceu. Neste artigo, mergulhamos fundo na fascinante trajetória dos queijos — do berço das civilizações à sua mesa.

As origens do queijo: um acaso feliz na jornada da domesticação

As evidências arqueológicas mais antigas do queijo remontam a cerca de 8 mil anos atrás, período em que os primeiros grupos humanos domesticaram cabras e ovelhas no Crescente Fértil — região que compreende partes do atual Iraque, Síria, Irã, Turquia e Israel. O leite, inicialmente consumido fresco, apresentava rápida deterioração. A fermentação acidental — provavelmente por transporte em bolsas feitas de estômago de animais — deu origem aos primeiros queijos rudimentares.

A ação da enzima renina, presente nos estômagos dos ruminantes, juntamente com o calor e o tempo, provocava a coagulação do leite. Ao separar-se em soro e coalhada, formava-se um alimento mais resistente ao clima quente e muito mais fácil de conservar do que o leite in natura. O sabor salgado, a textura pastosa e a durabilidade transformaram o queijo em um aliado indispensável das antigas populações pastoris.

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O queijo na Antiguidade: de oferenda aos deuses à moeda de troca

Na Antiguidade, o queijo já era tratado com respeito e reverência. Egípcios registraram o processo de fabricação em pinturas murais, enquanto os gregos o consideravam um presente dos deuses — Homero, em sua Odisseia, descreve que Polifemo, o ciclope, produzia queijo artesanal em cavernas com leite de ovelhas. Os romanos foram ainda mais sistemáticos: desenvolveram técnicas de maturação, prensa e armazenamento, e disseminaram o queijo por todas as regiões do Império.

O produto, fácil de transportar, virou item estratégico para os exércitos romanos e chegou às mais distantes fronteiras da Europa. Era usado como moeda de troca e ofertado em rituais religiosos. Além disso, tornava-se elemento de identidade regional: cada povo adaptava a técnica às suas condições geográficas e climáticas, dando origem aos primeiros traços dos queijos tradicionais europeus.

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A Idade Média e o refinamento dos sabores

Durante a Idade Média, os mosteiros cristãos se tornaram centros de produção de queijos. Monges beneditinos e cistercienses aprimoraram técnicas de cura, lavagem e conservação, criando receitas únicas que sobreviveram até hoje, como o Munster, o Tomme e o Stilton. O conhecimento era transmitido oralmente ou registrado em pergaminhos, e os queijos passaram a ser usados tanto em jejuns religiosos quanto em banquetes de nobres.

Nesse período, surgiram tradições que viriam a ser consagradas mais tarde como denominações de origem. Cada queijo era resultado da interação entre clima, tipo de pasto, animal, método de produção e tempo de maturação — fatores que definem o que, hoje, chamamos de terroir.

O Renascimento e a disseminação global

Com o Renascimento e as Grandes Navegações, o queijo começou a cruzar oceanos. Colonizadores europeus levaram vacas, ovelhas e cabras às Américas, introduzindo a produção leiteira em novos continentes. Com isso, surgiram novas variações locais — como o Queijo Minas, o Chanco chileno, o cheddar americano e, mais tarde, o queijo colonial gaúcho, de forte herança luso-açoriana.

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Já na Europa, a Revolução Industrial trouxe inovações tecnológicas que permitiram padronização e aumento da produção. A pasteurização, inventada por Louis Pasteur, revolucionou a segurança alimentar e tornou possível o transporte de queijos frescos para mercados distantes. Mas, ao mesmo tempo, muitos queijos artesanais começaram a desaparecer, pressionados pela lógica de mercado.

O século XX e o renascimento do queijo artesanal

A partir dos anos 1970, com o avanço da alimentação industrializada, surgiram movimentos de resistência cultural e gastronômica em diversos países, defendendo os queijos tradicionais. Na França, a criação das AOC (Appellation d’Origine Contrôlée) garantiu a proteção legal de queijos como o Camembert de Normandia, o Roquefort e o Comté, preservando saberes locais.

O mesmo aconteceu na Itália, com os queijos Parmigiano Reggiano, Gorgonzola e Pecorino Romano. Na Suíça, os mestres queijeiros mantiveram viva a tradição do Emmental e do Gruyère. O Brasil também passou a valorizar seus queijos artesanais, com destaque para os premiados Queijo Canastra, Serra do Salitre, Araxá e Serro, que hoje ganham espaço em prêmios internacionais.

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Os bastidores do sabor: a ciência por trás do queijo

Do ponto de vista técnico, o queijo é o resultado da coagulação das proteínas do leite, seguida pela separação do soro e posterior fermentação e cura. Os principais microrganismos envolvidos — como bactérias lácticas e mofos nobres — determinam as características sensoriais do produto. O tempo, a temperatura, a umidade e a flora bacteriana local são os principais responsáveis pela textura, cor, aroma e sabor.

O queijo pode ser classificado de diversas formas: por tipo de leite (vaca, ovelha, cabra, búfala), por tempo de maturação (fresco, curado, envelhecido), por tipo de crosta (natural, lavada, com fungo) ou por consistência (duro, semiduro, mole, cremoso). Existem mais de 2.000 tipos de queijo catalogados no mundo — e isso sem contar as variações artesanais e sazonais.

Curiosidades e fatos que você talvez não saiba

  • O queijo mais caro do mundo é o Pule, feito na Sérvia com leite de jumenta, e custa cerca de 1.000 euros o quilo.
  • O Brasil é o sexto maior produtor de queijos do mundo, segundo dados da FAO.
  • Alguns queijos, como o Roquefort, só podem ser maturados em cavernas específicas, devido à presença de mofos naturais exclusivos da região.
  • No Reino Unido, ocorre anualmente a Corrida do Queijo, em que competidores descem colinas íngremes atrás de uma peça de queijo Gloucester.
  • O Parmesão verdadeiro deve ser maturado por no mínimo 12 meses e produzido apenas nas regiões autorizadas da Itália.
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Um alimento vivo que conta a história do mundo em cada mordida

O queijo é mais do que um alimento: é um testemunho da criatividade humana diante das limitações do tempo, do clima e da conservação. Cada queijo carrega em sua casca, textura e sabor a geografia, a cultura e a história do lugar onde nasceu. Ele fala do campo, das mãos que o moldaram, das gerações que o aperfeiçoaram e da memória coletiva de um povo.

Ao consumir queijo artesanal, estamos não apenas alimentando o corpo — mas também preservando histórias, fortalecendo economias locais e celebrando a diversidade. Em um mundo que corre para padronizar tudo, o queijo segue sendo uma prova de que o diferente, o imperfeito e o ancestral ainda têm — e sempre terão — seu lugar de honra à mesa.

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