O salto alto, hoje tão associado ao glamour e à elegância feminina, possui uma história surpreendente e, por vezes, contraditória. Muito antes de ser um acessório de moda, ele foi símbolo de status, poder, funcionalidade e até masculinidade. Entre guerras, revoluções, bailes de corte e passarelas modernas, o salto atravessou impérios, quebrou padrões e revelou as transformações culturais que envolvem o corpo, o gênero e a estética.
Mas o que torna esse objeto tão fascinante? Por que um simples detalhe no calçado foi capaz de carregar tantos significados ao longo do tempo? Neste artigo, traçamos a origem e a evolução do salto alto, revelando como ele passou de ferramenta utilitária à expressão máxima do estilo — e por que continua provocando debates até hoje.
Origens funcionais: o salto como instrumento militar e prático
Ao contrário do que muitos pensam, o salto alto não foi criado para fins estéticos. Os primeiros registros de seu uso vêm da Pérsia, por volta do século IX, quando cavaleiros persas utilizavam sapatos com salto para manter os pés firmes nos estribos durante a montaria. A elevação do calcanhar permitia maior estabilidade e controle, sendo essencial nas batalhas. Esse modelo acabou sendo adotado por exércitos europeus, especialmente no século XVII, influenciando diretamente a nobreza ocidental.
No mesmo período, o salto começou a migrar do campo de batalha para os salões da aristocracia. Luís XIV da França, conhecido por sua obsessão com a imagem, tornou-se um dos maiores entusiastas do salto alto. Seus sapatos vermelhos de salto elevado eram símbolo de prestígio, já que apenas nobres autorizados pelo rei podiam usar o tom escarlate. Na corte, altura significava poder — literalmente.
Nessa época, o salto era predominantemente masculino. Os sapatos femininos, mais discretos, não seguiam o mesmo padrão. Somente anos depois a moda começaria a inverter seus papéis.
Do poder à estética: a feminização do salto alto na Europa moderna
Durante o século XVIII, os códigos da moda começaram a se transformar. A Revolução Francesa, em especial, teve papel decisivo nessa mudança. Com o fim do absolutismo e a queda da monarquia, os excessos da aristocracia passaram a ser vistos como sinais de opressão e decadência. O salto alto, antes ostentado por reis e nobres, tornou-se símbolo de frivolidade e desvio moral.
Nesse contexto, os homens abandonaram gradualmente o uso de saltos, optando por calçados mais planos, funcionais e discretos — uma tendência que permanece até hoje. Já para as mulheres, curiosamente, o salto alto foi reinterpretado como acessório sensual, associado à silhueta elegante, à postura ereta e à beleza idealizada dos corpos femininos.
Na era vitoriana, os sapatos começaram a ser confeccionados com saltos finos e curvos, desenhados para enfeitar os pés femininos — agora ocultos sob vestidos longos, mas ainda assim carregados de simbologia erótica. O salto se tornava, assim, um elemento estético com conotações sociais e de gênero bem marcadas.
Século XX: salto alto entre a libertação e o padrão imposto
O século XX foi decisivo para consolidar o salto alto como símbolo de feminilidade. Durante as décadas de 1920 e 1930, com a ascensão do cinema e da cultura de massa, estrelas como Greta Garbo e Marlene Dietrich ajudaram a fixar a imagem da mulher elegante e poderosa sobre saltos. Era o início da era em que moda, cinema e publicidade passavam a moldar os padrões de beleza com ainda mais intensidade.
Nos anos 1950, Christian Dior revolucionou a moda ao apresentar sua coleção “New Look”, exaltando a silhueta ampulheta com saias rodadas e sapatos de salto fino. Os stilettos, criados por designers italianos, tornaram-se febre — e rapidamente ganharam o mundo como símbolo de glamour.
Mas ao mesmo tempo em que eram celebrados, os saltos também começaram a ser criticados por seu desconforto e pelas limitações físicas que impunham às mulheres. Os movimentos feministas das décadas de 1960 e 1970 questionaram os padrões de beleza impostos e sugeriram o abandono do salto alto como forma de libertação. Sandálias, tênis e sapatos baixos foram resgatados como símbolo de autonomia.
Contudo, o salto nunca desapareceu. Ele foi reinventado, ressignificado e, muitas vezes, reapareceu como escolha consciente — um gesto de afirmação e não mais de submissão.
Século XXI: identidade, empoderamento e pluralidade de estilos
Com a virada do milênio, o salto alto voltou à cena com novas camadas de significado. Passarelas, videoclipes e redes sociais passaram a exaltar o salto como ferramenta de empoderamento. Artistas como Beyoncé, Lady Gaga e Rihanna adotaram o salto como extensão de sua performance — símbolo de poder, sensualidade e domínio do próprio corpo.
Paralelamente, a moda começou a desafiar fronteiras de gênero. Homens usando salto alto — tanto em editoriais quanto na vida real — passaram a questionar os limites impostos pela indústria fashion. O salto, que já foi símbolo de masculinidade na Pérsia e de feminilidade na era moderna, retorna agora como peça de liberdade estética, independente de gênero.
Além disso, cresceu o número de marcas preocupadas com o conforto, a ergonomia e a diversidade de corpos. Saltos mais largos, materiais maleáveis e designs inclusivos refletem essa nova demanda. Hoje, usar salto alto não é mais obrigação, e sim escolha — que pode significar poder, estilo, arte ou apenas diversão.
A história do salto alto é tão elevada quanto ele próprio. De funcionalidade militar à ostentação da corte, de fetiche silencioso à liberdade performática, cada centímetro acima do chão carrega séculos de disputas simbólicas sobre poder, gênero, beleza e autonomia.
Muito mais do que um acessório de moda, o salto alto revelou e acompanhou as transformações profundas da sociedade ocidental. E continua, ainda hoje, despertando admiração, desconforto, debate e desejo. Seu futuro talvez não esteja apenas nas vitrines — mas na liberdade de cada um decidir se deseja ou não caminhar sobre ele. E isso, por si só, já é um salto na direção certa.
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