Poucos alimentos conseguiram o feito de ser, ao mesmo tempo, tão simples e tão universais quanto o biscoito. Ele está nos cafés da manhã apressados, nas lancheiras escolares, nas mesas natalinas, nos kits de sobrevivência militar, nas prateleiras dos supermercados e até nas sobremesas finas da alta gastronomia. A sua história, no entanto, começa muito antes de todo esse estrelato.
Nascido da necessidade de conservação e transporte durante as longas viagens dos antigos navegadores e exércitos, o biscoito evoluiu junto com a humanidade, moldando-se às transformações sociais, econômicas e culturais de cada época. Foi alimento de sustento, objeto de luxo, presente diplomático e símbolo de afeto. Neste artigo, embarcamos em uma jornada crocante e cheia de sabor para contar a história do biscoito: da sua origem ancestral às formas criativas que assume no mundo moderno. Prepare-se para uma viagem no tempo tão deliciosa quanto informativa.
Um nascimento no calor das fornalhas antigas
A origem do biscoito remonta às primeiras civilizações que dominaram o fogo e o trigo. Ainda no Egito Antigo, já se assavam pequenas porções de massa simples — feitas de farinha, água e, às vezes, mel — em superfícies quentes, como pedras ou tijolos de barro. Essas massas achatadas e duras podiam ser armazenadas por dias, e alimentavam trabalhadores e viajantes.
Na Roma Antiga, os buccellatum, predecessores do biscoito moderno, eram consumidos por soldados e escravos. Eram secos, resistentes e altamente energéticos, o que os tornava perfeitos para campanhas militares. Aliás, a própria palavra “biscoito” deriva do latim bis coctus, que significa “cozido duas vezes” — processo que garantiu a durabilidade do alimento ao remover a umidade.
Biscoitos nos mares e nos castelos
Durante a Idade Média, o biscoito tornou-se essencial para marinheiros. As longas viagens exigiam alimentos que não estragassem facilmente, e o “biscoito de mar”, também chamado de “hardtack” ou “naval biscuit”, passou a ser um companheiro dos exploradores. Sem sabor e muito duro, ele era muitas vezes mergulhado em sopa ou água para amolecer.
Enquanto isso, nas cortes europeias, os confeiteiros começaram a dar ao biscoito um toque de requinte. Com o desenvolvimento das rotas de comércio e o acesso a especiarias como canela, cravo e gengibre, surgiram versões mais doces e aromáticas. Os biscoitos de gengibre da corte inglesa, por exemplo, tornaram-se populares ainda no século XVI — tanto que a rainha Elizabeth I teria mandado confeccionar versões com o rosto de convidados ilustres.
A era da industrialização e o nascimento das marcas icônicas
Com a Revolução Industrial, a produção de biscoitos ganhou escala e eficiência. No século XIX, fábricas inteiras passaram a produzir biscoitos em grandes quantidades, com formatos padronizados e embalagens próprias. Foi nesse período que surgiram algumas das marcas mais tradicionais do mundo, como a britânica Huntley & Palmers (fundada em 1822) e, anos depois, a Nabisco nos Estados Unidos.
A inovação não ficou apenas no maquinário: novos tipos de biscoito foram criados, como o cracker salgado, o digestive com farelo de trigo, e os recheados que se tornariam ícones mundiais. O famoso Oreo, por exemplo, foi lançado em 1912 e continua até hoje como um dos biscoitos mais vendidos do planeta.
Biscoito ou bolacha? A disputa linguística que atravessa o Brasil
No Brasil, além da variedade de sabores, há uma característica curiosa e amplamente discutida: a disputa entre os termos “biscoito” e “bolacha”. O embate, que divide corações e geografias, tem raízes culturais. No Sudeste e no Sul, predomina o uso de “bolacha”, enquanto no Rio de Janeiro e partes do Nordeste, é o “biscoito” que impera.
A verdade é que, tecnicamente, ambos os termos são válidos — e historicamente intercambiáveis. Segundo registros históricos, “bolacha” era mais comum no português europeu, enquanto “biscoito” era associado à linguagem mais técnica ou comercial. No fundo, trata-se da mesma iguaria com nomes diferentes — e muita paixão envolvida.
Do forno de casa à cozinha da Nasa
O biscoito conquistou um espaço democrático na alimentação contemporânea. Pode ser artesanal ou industrializado, simples ou sofisticado, doce ou salgado. A multiplicidade de formas e ingredientes é tamanha que há biscoitos para todos os gostos e ocasiões: de casamentos tradicionais no sul da Alemanha, onde os biscoitos artesanais são decorados à mão, até os cookies gourmet servidos em cafeterias de luxo.
E não para por aí: a Nasa chegou a incluir biscoitos no cardápio de astronautas, testando inclusive uma fornada de cookies no espaço em 2020. A ideia era entender como a massa reagia à microgravidade. Resultado? Os cookies ficaram prontos, mas demoraram mais para assar e ficaram menos dourados — uma curiosidade científica saborosa.
Curiosidades que adoçam essa história
- O primeiro biscoito a cruzar o Atlântico com os colonizadores britânicos foi o “ship’s biscuit”, quase sem gosto, mas durável por meses.
- O biscoito da sorte (fortune cookie), frequentemente associado à China, foi na verdade criado por imigrantes japoneses nos Estados Unidos no início do século XX.
- O maior biscoito já feito no mundo tinha mais de 750 metros quadrados e foi assado na Carolina do Norte, EUA, em 2003.
- Na Alemanha e na Áustria, há biscoitos feitos com moldes de madeira esculpidos à mão chamados Springerle, tradição que remonta à Idade Média.
- No Brasil, o biscoito de polvilho se popularizou especialmente em Minas Gerais e no interior de São Paulo, sendo hoje um clássico da culinária regional.
O biscoito como espelho cultural e emocional
Além de suas transformações técnicas e variações regionais, o biscoito se tornou um alimento com forte carga afetiva. Quem nunca foi recebido com uma lata de biscoitos amanteigados na casa da avó? Ou levou na mochila um pacote de biscoito recheado na infância? A memória gustativa do biscoito nos acompanha em diferentes fases da vida, sempre presente em momentos de pausa, celebração ou consolo.
Empresas exploram esse apelo emocional com campanhas que associam seus produtos à ideia de lar, família e nostalgia. A verdade é que o biscoito tem algo de universal: é portátil, acessível, adaptável — e, acima de tudo, capaz de despertar sorrisos.
Um pequeno alimento com uma grande história
Por trás da casquinha dourada, do recheio cremoso ou da textura amanteigada, o biscoito guarda uma narrativa milenar que combina engenhosidade humana, sabor e sobrevivência. De ferramenta prática nas mãos de soldados e marinheiros a símbolo de afeto nas mãos de avós e confeiteiros, ele acompanhou a evolução da alimentação e da cultura ao longo dos séculos.
Seu segredo está na simplicidade com alma. Ele pode ser um doce de Natal, uma lembrança da infância, um lanche rápido, uma peça de arte confeiteira ou até um experimento espacial. Cada mordida conta uma história — e não é exagero dizer que, com sua variedade e longevidade, o biscoito é um dos mais saborosos capítulos da história da comida. Uma história que, felizmente, continua a ser escrita — e saboreada — todos os dias.
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Formada em técnico em administração, Nicolle Prado de Camargo Leão Correia é especialista na produção de conteúdo relacionado a assuntos variados, curiosidades, gastronomia, natureza e qualidade de vida.