Há cidades que vivem no presente. Outras, que sonham com o futuro. E há Jerusalém — uma cidade que habita o passado com tanta intensidade que andar por suas ruas de pedra é pisar nas páginas mais densas da história da humanidade. Localizada sobre colinas da antiga Judéia, Jerusalém já foi capital de reinos bíblicos, ocupada por impérios, destruída e reconstruída incontáveis vezes, e ainda assim permanece intacta em sua essência simbólica.
É ali que três das maiores religiões monoteístas do mundo — judaísmo, cristianismo e islamismo — encontram não apenas raízes, mas também disputas, santuários e promessas. Este artigo percorre os caminhos de Jerusalém desde seus primeiros registros até sua relevância geopolítica contemporânea. Muito além de um lugar sagrado, ela é um símbolo da resistência humana, da fé que atravessa os séculos e das contradições que moldam o Oriente Médio até hoje.
As Origens Remotas: Muito Antes de Davi e Salomão
A primeira menção histórica a Jerusalém aparece por volta de 1900 a.C., em registros egípcios que se referem à cidade como “Urusalim”, que pode ser traduzido como “Fundação de Shalem”, em referência a uma divindade cananeia. Essa era uma cidade-estado fortificada que prosperava como entreposto comercial. Localizada em uma região estratégica entre o Egito, a Mesopotâmia e a Anatólia, Jerusalém foi disputada desde cedo por diferentes povos.
Por volta do século X a.C., o rei Davi conquistou a cidade e a estabeleceu como capital do Reino Unido de Israel. Seu filho, Salomão, construiu o Primeiro Templo — um local sagrado que passaria a abrigar a Arca da Aliança e tornar-se-ia o coração da religião judaica. Esse templo seria destruído em 586 a.C. pelos babilônios, liderados por Nabucodonosor II, marcando um dos eventos mais traumáticos da história judaica: o Exílio na Babilônia.
Domínio Persa, Reconstrução e a Chegada dos Gregos
Com a queda do Império Babilônico, os persas permitiram o retorno dos judeus à Palestina e a reconstrução do Templo, dando origem ao Segundo Templo. Jerusalém voltou a florescer sob domínio persa, mas esse período de relativa paz terminou com a chegada de Alexandre, o Grande. Sob domínio helenístico, a cidade passou por intensos conflitos culturais e religiosos.
A revolta dos macabeus, no século II a.C., levou à breve autonomia judaica sob a dinastia hasmoneia, até que os romanos assumiram o controle da região em 63 a.C. A tensão com o poder romano seria o estopim de um novo capítulo trágico: a destruição definitiva do Segundo Templo em 70 d.C., durante o cerco liderado por Tito, episódio que marcaria o início da diáspora judaica.
O Cristianismo e a Era Bizantina
Enquanto os judeus enfrentavam repressão e dispersão, um novo movimento religioso nascia nas margens da Palestina romana. Jesus de Nazaré, que pregou e foi crucificado nos arredores de Jerusalém, tornaria a cidade central para o cristianismo. Com a conversão do Império Romano ao cristianismo no século IV, especialmente sob o governo de Constantino e sua mãe Helena, Jerusalém foi redescoberta como cidade santa. Construíram-se igrejas — como a do Santo Sepulcro — sobre os locais considerados sagrados pelos cristãos, marcando um período de renascimento urbano e espiritual.
O domínio bizantino consolidou Jerusalém como destino de peregrinação cristã, mas a cidade ainda veria muitas bandeiras tremularem sobre suas muralhas.
A Chegada do Islã e o Domo da Rocha
Em 638 d.C., o califa Omar conquistou Jerusalém sem resistência significativa. Para os muçulmanos, a cidade também é sagrada: é o local onde o profeta Maomé teria ascendido aos céus, a partir da rocha onde hoje se ergue o esplêndido Domo da Rocha, um dos monumentos islâmicos mais icônicos do mundo. A Mesquita de Al-Aqsa, nas proximidades, consolidou Jerusalém como o terceiro local mais sagrado do islã, depois de Meca e Medina.
Sob os califados omíada e abássida, a cidade foi respeitada, preservada e embelezada. Apesar de rivalidades teológicas, muçulmanos, cristãos e judeus coexistiram em relativa paz por alguns séculos — um cenário que mudaria drasticamente com a chegada das Cruzadas.
Cruzadas, Reconquistas e o Frágil Equilíbrio
Em 1099, durante a Primeira Cruzada, os cavaleiros cristãos tomaram Jerusalém após um cerco sangrento. O massacre foi brutal, afetando judeus e muçulmanos, e a cidade se transformou em sede do Reino Latino de Jerusalém. Igrejas foram convertidas em templos cristãos, mesquitas foram fechadas ou destruídas, e a paisagem urbana refletia a nova ordem.
Mas essa hegemonia durou pouco: em 1187, o sultão Saladino reconquistou a cidade, restabelecendo a presença islâmica e permitindo, diferentemente dos cruzados, o retorno dos judeus e cristãos. Jerusalém, porém, continuaria sendo o epicentro de disputas entre cristãos europeus e dinastias muçulmanas, mudando de mãos ao longo dos séculos seguintes — entre mamelucos, otomanos e, por fim, o Império Britânico.
Século XX: Guerras, Divisão e Reivindicação
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, Jerusalém passou ao controle britânico sob o Mandato da Palestina. A promessa de uma pátria para os judeus, contida na Declaração Balfour, e o crescimento do nacionalismo árabe acirraram os conflitos na região. A ONU propôs, em 1947, a internacionalização de Jerusalém — plano rejeitado por ambas as partes.
Em 1948, com a fundação de Israel, a cidade foi dividida: a parte ocidental passou a ser controlada por Israel, e a oriental — incluindo a Cidade Velha — ficou sob domínio da Jordânia. Isso mudou em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, quando Israel capturou Jerusalém Oriental e passou a considerá-la parte indivisível de sua capital.
Contudo, essa anexação não é reconhecida pela comunidade internacional, e Jerusalém segue como uma das questões mais delicadas do conflito israelo-palestino.
Jerusalém Hoje: Entre a Espiritualidade e a Geopolítica
Hoje, Jerusalém é um lugar onde o passado pulsa com mais força do que o presente. As muralhas da Cidade Velha, os mercados árabes, os sinos das igrejas e os chamados à oração vindos das mesquitas compõem uma sinfonia milenar. Peregrinos do mundo inteiro percorrem as mesmas vias há séculos — seja rumo ao Muro das Lamentações, ao Santo Sepulcro ou à Esplanada das Mesquitas.
Ao mesmo tempo, a cidade vive sob tensões políticas, vigilância armada e desigualdades urbanas gritantes. Para os judeus, Jerusalém é o centro espiritual de seu povo. Para os palestinos, é a capital sonhada de um Estado soberano. Para o mundo, continua sendo uma ferida aberta, mas também um ponto de encontro de culturas, crenças e esperanças.
Jerusalém não é apenas uma cidade — é uma ideia. Uma lembrança persistente de que o sagrado e o político, o divino e o humano, podem coexistir, mas raramente em paz. Ela resiste às guerras, aos impérios e às disputas diplomáticas porque é sustentada pela fé de bilhões. Cada centímetro de seu solo tem significado, cada pedra carrega lágrimas e orações. E ainda que esteja cercada de muros e divisões, há algo nela que ultrapassa fronteiras: a certeza de que, mesmo ferida, ela continua a ser o coração palpitante da espiritualidade humana. Em Jerusalém, a história nunca termina — ela apenas se transforma.
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Formada em técnico em administração, Nicolle Prado de Camargo Leão Correia é especialista na produção de conteúdo relacionado a assuntos variados, curiosidades, gastronomia, natureza e qualidade de vida.