Antes que se tornasse sinônimo de eleição, discurso vazio e troca de favores, a política nasceu como um ideal. Muito antes dos partidos, das urnas e das alianças de ocasião, ela era uma prática nobre, associada à busca do bem comum e à organização justa da vida em sociedade.
A palavra “política”, herdada da Grécia Antiga, tinha um peso filosófico, ético e até espiritual. Ela era ensinada nas escolas de Platão, analisada nas obras de Aristóteles e discutida nas praças públicas. A política, em sua origem, é uma construção do pensamento coletivo e da razão aplicada à convivência.
Com o tempo, porém, esse ideal se distanciou da realidade prática. Hoje, quando se fala em política, muitas vezes o que se vê é apenas a superfície — ou pior, a distorção — do que ela realmente significa. Este artigo busca resgatar a essência da política, esclarecer seus princípios filosóficos e marcar, com clareza, a linha que a separa da politicagem.
A origem filosófica da política: muito além do poder
A palavra “política” tem origem no termo grego politikós, que deriva de polis — cidade. Para os gregos antigos, viver em comunidade era natural ao ser humano, e organizar essa convivência era uma questão de sabedoria. A política, portanto, surge como a arte de administrar a cidade de forma justa, garantindo o equilíbrio entre interesses individuais e coletivos. Em sua raiz mais pura, ela é um instrumento de diálogo, não de imposição.
Platão via a política como a realização da justiça. Em sua obra A República, propunha um governo formado por sábios, os chamados “reis filósofos”, que governariam com base na razão e no bem coletivo, e não em interesses particulares. Aristóteles, seu discípulo, entendia a política como uma extensão da ética: o objetivo da vida política seria a felicidade da coletividade, alcançada por meio da virtude e da razão prática.
O pensamento político grego, portanto, não se limitava a estratégias eleitorais ou jogos de poder. Era um exercício contínuo de reflexão sobre a justiça, a equidade e o lugar do ser humano na sociedade. Governar era uma missão ética e pedagógica.
A política como compromisso com o bem comum
Os princípios fundamentais da política, na visão clássica, estão ligados a conceitos como justiça, liberdade, responsabilidade e serviço. Esses valores sustentam a convivência democrática e orientam a tomada de decisões em nome da coletividade.
O filósofo Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII, foi outro pensador que influenciou profundamente a teoria política moderna. Para ele, o contrato social é a base da legitimidade política: o povo transfere parte de sua liberdade ao Estado para garantir a segurança e o bem comum.
Nesse pacto, a autoridade só é legítima se servir aos interesses da maioria. Rousseau defendia a soberania popular como elemento central da política ética.
Mais tarde, Hannah Arendt, uma das vozes mais respeitadas do século XX, descreveu a política como o espaço do discurso público, onde os cidadãos se reúnem para deliberar sobre o futuro comum. Para ela, a política só existe onde há pluralidade e liberdade.
A verdadeira política, portanto, nasce do diálogo. Não se trata de uma guerra de vaidades, mas de um exercício de escuta e ação responsável. Ela exige consciência crítica, participação cidadã e compromisso ético com as gerações presentes e futuras.
Política e politicagem: a linha que separa o ideal da degeneração
Apesar de suas raízes filosóficas elevadas, a política muitas vezes se vê reduzida a um conjunto de práticas distorcidas e oportunistas. É aí que surge o termo “politicagem”.
Politicagem não é política. É seu avesso. Trata-se da instrumentalização da política para interesses pessoais, partidários ou eleitorais, quase sempre em prejuízo da coletividade.
Ela se manifesta em promessas vazias, discursos populistas, acordos obscuros e estratégias que visam mais a manutenção do poder do que a transformação da realidade.
Enquanto a política, em sua essência, busca soluções justas, a politicagem perpetua problemas para garantir palanques. É marcada por gestos performáticos, desvio de recursos públicos, manipulação de dados e desinformação. Sua lógica não é a do bem comum, mas a da conveniência.
Muitas vezes, a confusão entre política e politicagem afasta os cidadãos do debate público. O desinteresse cresce, a confiança nas instituições diminui, e abre-se espaço para o cinismo. Mas é preciso lembrar: o fracasso da política autêntica não é desculpa para o avanço da politicagem. Pelo contrário, é um alerta para resgatarmos o verdadeiro sentido do fazer político.
A responsabilidade de quem participa da política
Rejeitar a politicagem não significa abandonar a política. Pelo contrário, é necessário fortalecer a participação cidadã. A democracia só amadurece quando a sociedade reconhece seu papel no processo político: votando com consciência, acompanhando o trabalho dos representantes, cobrando transparência e debatendo propostas de maneira qualificada.
A política exige preparo, leitura, sensibilidade histórica e ética. Não é território exclusivo de especialistas, mas também não pode ser tratada com superficialidade. Cada cidadão é corresponsável pela qualidade da vida pública.
O filósofo brasileiro Mário Sergio Cortella costuma dizer que “quem não gosta de política será governado por quem gosta — e nem sempre por quem deveria”. A omissão fortalece os piores atores. Por isso, mais do que criticar a politicagem, é necessário resgatar a política como espaço legítimo de transformação social.
Conclusão, a política ainda vale a pena
Apesar dos desgastes e distorções que cercam o debate político atual, é preciso lembrar que a política verdadeira continua sendo uma das ferramentas mais nobres de organização social. Sua essência não está nas disputas eleitorais, mas no esforço coletivo por justiça, equilíbrio e bem-estar.
Distinguir política de politicagem é fundamental para manter viva a esperança em uma sociedade mais justa. A política não é um problema a ser evitado, mas uma construção contínua que exige ética, razão e participação. Ao resgatarmos seus fundamentos filosóficos, temos a chance de reencantar o espaço público. E, com isso, construir um futuro menos cínico e mais comprometido com a dignidade humana.
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Estudante da área de saúde, Crysne Caroline Bresolin Basquera é especialista em produção de conteúdo local e regional, saúde, redes sociais e governos.