A complexidade das transfronteirizações das cidades gêmeas

A análise das fronteiras sul-americanas, particularmente na tríplice fronteira entre Brasil e Argentina, revela um cenário de interações complexas que vão além das simples delimitações territoriais.

Com foco nas cidades gêmeas e políticas públicas, este estudo examina o impacto da COVID-19 e a eficácia das políticas locais de cooperação e desenvolvimento em uma área onde as dinâmicas transfronteiriças são intensas e multifacetadas.

Historicamente, as fronteiras brasileiras foram vistas inicialmente sob a ótica da segurança e defesa nacional. No entanto, com a evolução dos processos de regionalização global e a consolidação de blocos como o Mercosul, a percepção mudou para uma integração e cooperação mais estreita entre os Estados.

Esse novo enfoque é evidenciado pelo Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), que reconfigurou as fronteiras brasileiras em três arcos regionais: Norte, Central e Sul.

Cidades gêmeas, localizadas próximas à linha de fronteira e com fortes laços transfronteiriços, emergiram como pontos de desenvolvimento significativo.

O conceito de cooperação territorial local ganha destaque através de consórcios públicos, como o Consórcio Intermunicipal de Fronteira (CIF), que reúne municípios de Barracão (PR), Bom Jesus do Sul (PR) e Dionísio Cerqueira (SC), que são de diferentes estados brasileiros e inclui participação informal de um município argentino, Bernardo de Irigoyen (Misiones).

A pandemia da COVID-19 teve um impacto profundo nas dinâmicas das regiões fronteiriças. O fechamento unilateral das fronteiras pela Argentina em março de 2020 interrompeu a mobilidade transfronteiriça essencial para a vida cotidiana dos moradores da região, afetando estudantes, comerciantes e trabalhadores.

A reabertura parcial da fronteira, permitindo apenas o tráfego de residentes fronteiriços com documentos específicos, ilustrou a complexidade da gestão de políticas transfronteiriças durante crises sanitárias.

O estudo destaca várias iniciativas de desenvolvimento e cooperação na tríplice fronteira. O CIF, em particular, tem trabalhado em parceria com entidades como o SEBRAE e governos estaduais para implementar projetos nas áreas de saúde, educação, turismo e desenvolvimento regional. A proposta do CIF para integração transfronteiriça inclui eixos como Produto Local, Cidadão Fronteiriço, Agricultura, Previdência Social, Urbanismo, Habitação, Educação, Turismo e Saúde.

O método indutivo utilizado neste estudo envolve a investigação de casos particulares para abstrair tendências gerais, permitindo a construção de interpretações teóricas analíticas. A pesquisa qualitativa e exploratória inclui análise bibliográfica, documental, trabalho de campo e cartografia, utilizando o software ArcGIS para elaboração de mapas.

Na geografia política, a compreensão multiescalar dos fenômenos é essencial. A globalização trouxe à tona a necessidade de entender as fronteiras como processos dinâmicos de bordering, debordering e rebordering, influenciados por políticas territoriais e práticas sociais. A abordagem territorial enfatiza a cooperação local como parte das práticas de desenvolvimento regional.

Os dados levantados indicam que, embora existam iniciativas significativas de desenvolvimento e cooperação, as políticas públicas enfrentam desafios na implementação eficaz durante crises como a pandemia da COVID-19.

A falta de institucionalização formal e de mecanismos de governança multinível dificulta a coordenação de ações entre diferentes níveis governamentais.

A pandemia evidenciou a necessidade de fortalecer as estruturas de governança multinível e a cooperação intergovernamental para responder eficazmente às crises. A tríplice fronteira, com suas características únicas de intensa integração transfronteiriça, oferece um laboratório para estudar e implementar políticas inovadoras de cooperação regional. A consolidação de mecanismos de governança formalizados é crucial para transformar a região em um nó central de integração no Mercosul.