Estudiosos encontram 66 pegadas de dinossauros fossilizadas em pedra de escola

Imagine percorrer o pátio de um colégio sem saber que, sob seus passos, existe uma conexão com um capítulo remoto da história terrestre. Por vinte anos, uma rocha aparentemente comum na Escola Secundária de Biloela, na Austrália, guardou um segredo extraordinário: 66 pegadas fossilizadas de dinossauros do Jurássico Inferior, preservadas por 200 milhões de anos.

O que antes era visto como um elemento decorativo tornou-se uma das maiores coleções de pegadas já identificadas no país, revelando um panorama único de um ecossistema desaparecido. Como esse tesouro passou despercebido por décadas? E o que essas marcas revelam sobre criaturas que habitaram margens de rios ancestrais?

Publicada em março de 2025 na revista Historical Biology, a descoberta não só marca um avanço para a paleontologia australiana, mas também ilustra como segredos científicos podem estar escondidos em locais cotidianos. Vamos explorar como uma simples rocha reescreveu parte de nossa compreensão pré-histórica.

A resposta está em 66 pegadas fossilizadas atribuídas a 47 dinossauros da icnoespécie Anomoepus scambus. Em uma área de apenas 1,5 metro de comprimento, a laje abriga uma das maiores densidades de pegadas por metro quadrado já registradas na Austrália. Diferente de ossos, esses vestígios são fósseis de comportamento — registros de movimento, não de corpos. Eles oferecem insights sobre a ecologia e os hábitos de animais que viveram no Jurássico Inferior, período do qual não há ossos de dinossauros no país.

Enquanto fósseis ósseos australianos datam do Jurássico Médio (cerca de 160 milhões de anos), as pegadas são a única evidência direta de vida no período anterior. “Elas funcionam como uma fotografia instantânea”, explica o Dr. Anthony Romilio, paleontólogo da Universidade de Queensland e líder do estudo. Com técnicas de escaneamento 3D e iluminação especializada, sua equipe desvendou detalhes antes invisíveis: pegadas de 5 a 20 cm, indicando dinossauros cruzando um rio em direções opostas, com 13 trilhas contínuas e 34 marcas isoladas.

Para o Dr. Paul Olsen, da Universidade Columbia, “essas pegadas fornecem dados comportamentais e ecológicos quando ossos são ausentes”. É como decifrar um código gravado na rocha: cada impressão conta uma história perdida no tempo.

As marcas pertencem a ornitísquios — herbívoros bípedes com bicos e dentes adaptados para triturar plantas. Parentes distantes de tricerátopes e hadrossauros, esses dinossauros tinham pernas curtas (15 a 50 cm) e braços reduzidos. A concentração de pegadas em Biloela sugere que eram abundantes no Jurássico Inferior, com distribuição desde os EUA até a China. “Isso confirma que pequenos ornitísquios já prosperavam durante a fragmentação da Pangeia”, destaca Olsen.

Por que a importância da laje só foi reconhecida décadas depois? A resposta está na natureza sutil dos fósseis-traço. “Até paleontólogos subestimam pegadas”, admite Romilio. Marcas visíveis a olho nu já eram conhecidas, mas análises 3D expuseram padrões de movimento e variações de tamanho, transformando a rocha em um diário ancestral.

A abordagem lembra a astronomia: assim como telescópios revelam galáxias, ferramentas modernas iluminam o passado jurássico. E tudo isso sob os pés de estudantes, que por anos caminharam sobre um tesouro invisível.

Na Austrália, onde ossos do Jurássico Inferior são inexistentes, essas pegadas preenchem uma lacuna crítica. “Elas são nossa única janela para esses ecossistemas”, afirma Romilio. A laje sugere um ambiente dinâmico — talvez um rio ou pântano onde dinossauros circulavam em grupos. A ausência de marcas de água dificulta precisar o cenário, mas as trilhas bidirecionais indicam atividade intensa.

Comparada a achados na Europa e África, a densidade em Biloela é excepcional, reforçando que a Austrália, hoje isolada, já foi parte de um mundo interligado.

A laje escolar não é única. Nas proximidades, um bloco de 2 toneladas usado como marcador de estacionamento na Mina Callide exibe duas pegadas de um dinossauro maior. Outra rocha, usada como peso de papel, guardava uma única pegada. Todas vieram de minas que expõem rochas jurássicas ao extrair carvão. “Há mais fósseis esperando”, alerta Romilio. “O desafio é encontrá-los antes que se percam.”

Esses casos mostram que o passado pode estar em qualquer lugar — até segurando livros ou demarcando vagas.

As 66 pegadas contam mais que presença: revelam dinâmica. As 13 trilhas sugerem grupos em movimento, talvez migrando ou buscando recursos. Já as marcas isoladas indicam indivíduos solitários. “É como assistir a um dia na vida deles”, comenta Romilio. Para cientistas, esses padrões são informações valiosas sobre anatomia (três dedos, passadas firmes) e uso do ambiente.

A descoberta em Biloela é um convite à exploração. “Se uma escola escondeu isso, imagine o que mais está por aí”, reflete Romilio. Minas, quintais e coleções particulares podem guardar segredos, mas identificá-los exige sorte e tecnologia. Escaneamento 3D e inteligência artificial podem acelerar futuras revelações, prometendo desvendar mais sobre o Jurássico Inferior australiano.